quinta-feira, setembro 03, 2009

Divertir se loucamente

Divertir-se loucamente (experiências de Filosofia cotidiana)
Como se divertiam os loucos na época em que de fato haviam loucos? Onde eles se divertiam? Gozavam todo mundo, não seguiam regras nem convenções. Falavam alto, riam sem motivo. Seu destino era escapar às posições fixas. Podiam desestabilizar pessoas e costumes. Nômades, transgressores, percorriam estradas e rios, vagando entre as regras e as obrigações. Colocavam de cabeça para baixo imagens de santos, parodiavam os sacramentos, gozavam a autoridade da Santa Igreja. Faça isso também. É claro que não existem mais rios ou estradas onde se encontrem multidões vociferantes. Se em nossos dias você tentar fazer uma expedição desse tipo, será internado num hospício. É preciso encontrar outra coisa. Tente então ser crítico, cronista, escritor, romancista, artista, cineasta, músico, saltimbanco ou algo do gênero. Simplesmente deslocado. Faça o possível para perturbar sua época. Não sonhe com alterar a História, semeie pequenos tumultos onde você está. Desorganize os planos, crie o inesperado, desfaça as previsões. Atravesse obstinadamente a sociedade sem obedecer. Você deve, evidentemente, se submeter às ordens, aos poderes. Será até mesmo necessário se ajoelhar, por prudência, por covardia, ou mesmo por mera adulação, diante de algum tipo de poder. Decida que isso não tem importância. Você pode dobrar a espinha, por questões estratégicas, às vezes, se estiver totalmente certo de que nada em você irá se dobrar. Preserve com cuidado e por muito tempo seu espaço de manobra. Saiba agir de forma oblíqua. Manobre como um louco os contratempos. Pratique passos de viés, o andar de caranguejo, os atalhos. Todos os dias, sem exceção. Adquira o hábito de encontrar a resposta mais incongruente, a que parece menos adequada. De tempos em tempos, faça isso na prática. E veja o que acontece. A parte mais difícil para que você se divirta como um louco é conseguir pensar que não existe nada realmente sério. Ou seja, chegar ao ponto em que tudo, absolutamente tudo, de certa forma se torna motivo de graça: a existência, a morte, a humanidade, o amor, o universo, as formigas, a escrita, o dinheiro, as profissões, os corpos, o pensamento e a política. E outras coisas mais. Sem esquecer o próprio riso, a diversão e os loucos. (Roger-Pol Droit é Filósofo e cronista do jornal francês "Le Monde")

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