Aconteceu em janeiro. O jornal "The Washington Post" convidou um dos maiores violinistas do mundo, Joshua Bell, para tocar numa estação de metrô da capital americana a fim de testar a reação dos transeuntes. Desafio aceito, lá foi Bell, de jeans e camiseta, às oito da manhã, o horário mais movimentado da estação, para tocar no seu Stradivarius de 1713 (avaliado em mais de US$ 3 milhões) melodias de Bach e Schubert.
Passaram por ele 1.097 pessoas. Sete pararam alguns minutos para ouvi-lo. Vinte e sete largaram algumas moedas. E uma única mulher o reconheceu, porque havia estado em um de seus concertos, cujo valor médio do ingresso é US$ 100. Todos os outros usuários do metrô estavam com pressa demais para perceber que ali, a dois metros de distância, tocava um instrumentista clássico respeitado internacionalmente.
Não me surpreende. Vasos da dinastia Ching, de valor incalculável, seriam considerados quinquilharias se misturados a quaisquer outros numa feira de artesanato ao ar livre. Uma jóia do Antonio Bernardo correria risco de ser ignorada se fosse exposta numa lojinha de bijuterias, uma gravura de Roy Lichtenstein seria considerada amadora se exposta numa mostra universitária de cartoons e ninguém pagaria mais de R$ 40 por uma escultura do mestre Aleijadinho que estivesse misturada a anjos de gesso vendidos em beira de estrada.
Desinformados, raramente conseguimos destacar o raro do medíocre.
Só é possível valorizar aquilo que foi estudado e percebido em sua grandeza. Se não me informo sobre o valor histórico de uma moeda que circulava na época dos otomanos, ela passa a ser apenas uma pequena esfera enferrujada que eu não juntaria do chão.
Se não conheço o significado que teve uma muralha para a defesa dos grandes impérios, ela vira apenas um muro passível de pichação. Se não reconheço certos traços artísticos, um vitral de Chagall passará tão despercebido como o vitral de um banheiro de restaurante. Podemos viver muito bem sem cultura, mas a vida perde em encantamento.
Essa história do violinista demonstra que não estamos preparados para a beleza pura: é preciso um mínimo de conhecimento para valorizá-la. E demonstra também que temos sido treinados para gostar do que todo mundo conhece. Se uma atriz é muito comentada, se uma peça é muito badalada, se uma música é muito tocada no rádio, estabelece-se que elas são um sucesso e ninguém questiona. São consumidas mais pela insistência do que pela competência, enquanto competentes sem holofotes passam despercebidos.
Gostaria muito de ter circulado pela estação em que tocava Joshua Bell. Não por admirá-lo: pra ser franca, nunca ouvi falar desse cara. O que eu queria era testar minha capacidade de ficar extasiada sem estímulo prévio. Descobrir se ainda consigo destacar o raro sem que ninguém o anuncie. Tenho a impressão de que eu pararia para escutá-lo, mas talvez esteja sendo otimista.
Vai ver eu também passaria apressada, sem me dar conta do tamanho do meu atraso.
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